Rivais

 

                Quando ela começava a cuidar do cabelo, fazer as unhas duas vezes por semana, comprar roupas novas, eu já sabia -- aparecera mais um executivo-encantado em sua vida. Eu sempre soube quando ela se enamorava. Um verniz diferente iluminava aqueles olhos verdes e ela parava de implicar comigo como num toque de controle remoto. Eu falava em viajar e ela me incentivava, eu deixava minhas meias no chão e ela ignorava, eu saía com os amigos e ela se fazia de cúmplice. Era preciso deixar que o tempo com alguma ajuda minha eliminasse  mais um rival.

               No primeiro chope com a turma dela, meu instinto masculino armava seu radar e detectava o objeto da mudança de comportamento de minha mulher. Estava na hora de implodir mais um encantamento.

               Minha primeira providência consistia em me aproximar do rival e fingir que não percebera nada. Tratava logo de achar alguma coisa em comum, ainda que falsa, para estabelecer alguma intimidade. Se fosse casado, estendia minha simpatia até a esposa e logo estávamos adquirindo mais um casal de amigos. Quando ela falava do novo colega de trabalho, eu era todo ouvidos e assim ia aprendendo a conhecer aquele homem pelas lentes de minha mulher.

               Começávamos a sair com o casal e os pequenos defeitos do rival, aos poucos, apareciam: uma mesquinharia ao discutir com o garçom o valor de uma conta, uma indelicadeza com a mulher que demorava a escolher seu prato, ou que escolhia um prato muito caro, uma grosseria com a criança que vinha vender flores... 

               Eu me esmerava. Esperava que ele afugentasse a menina das flores para, em seguida, chamá-la e comprar todo o buquê, repartindo-o entre as duas mulheres, ao mesmo tempo em que pedia ao garçom um balde, daqueles para gelo, onde as rosas ficavam acomodadas até o final de nosso jantar. A conta, ah sim a conta. Fingia sempre que estava tudo bem e deixava que ele conferisse a nota. Se aceitassem cartão de crédito, eu deixava que ele o usasse e pagava a nossa parte em dinheiro, nunca em cheque. Muitas das vezes fazia questão de pagar a conta sozinho sob o olhar de reprovação de minha mulher.

               Ah, uma bebedeira era essencial. Meu plano de arquiteto destruidor de triângulos não dispensava uma bebedeira. Adorava ver o outro bêbado, descontrolado, agressivo, falando mal do casamento e da mulher na presença das duas. Mostrava-me solidário com a mulher do rival, tentava minimizar os conflitos puxando um assunto ameno com a infeliz enquanto a minha, aflita, tentava jogar água fria no incêndio provocado pelo álcool destilado.

               Desnudas as mesquinharias, vinha a outra parte do plano. Minha mulher precisava vê-lo em roupas caseiras. O relaxamento doméstico é o melhor antídoto para uma pseudopaixão (no fundo, no fundo, tenho certeza de que ela me ama). Num domingo de manhã, daquelas chuvosas, porém quentes, convidei minha mulher para dar uma volta de carro e comprar os jornais do dia. Passei por várias bancas e fingi que não achara o jornal que eu queria até chegar a uma banca perto da casa dele. Assim, inocentemente, como se não tivesse traçado nenhum plano, eu disse: “Vamos fazer uma surpresa para fulano e fulana? Vamos dar uma passadinha lá e perguntar se eles não topam almoçar juntos mais tarde.” Foi o tiro certeiro. Quando ele abriu a porta, eu sabia que a guerra estava prestes a ser ganha. Paixão nenhuma resiste a um homem de barba por fazer, chinelos de borracha semi-rasgados, bermuda de malha e camiseta regata desbotada enfatizando aquela barriguinha...

               Minha mulher voltou para casa pensativa. Na outra semana, observei que o esmalte envelhecia em suas mãos, o cabelo estava sem brilho, e não se esmerava mais na maquiagem. Começaram novamente as implicâncias com a tampa do vaso levantada e a toalha molhada em cima da cama...

               Retomamos nossa vidinha. Missa no domingo, almoço na casa de mamãe, jantar na casa da sogra, sexo papai-mamãe uma vez por semana e, de vez em quanto, uns safanões, uma mancha roxa no braço que ela continua atribuindo ao pobre de nosso cachorro que a faz tropeçar e esbarrar com o braço na escada.