PAIVA, V.L.M.O.; CHIARETTI, Avany Pazzini. Texto ou pretexto: uma análise discursiva de materiais didáticos de inglês. IN: MACHADO, Ida Lúcia et al. Teorias e Práticas Discursivas. Belo Horizonte: Carol Borges, 1998. p.25-42

TEXTO OU PRETEXTO: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE MATERIAIS DIDÁTICOS DE ENSINO DE INGLÊS

Avany Pazzini Chiaretti (FINP) e

Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG)

Este estudo faz uma análise crítica de manuais didáticos de ensino de língua inglesa, à luz de parâmetros discursivos. Para tanto, examinamos um corpus de 03 séries didáticas para o primeiro grau. Fizemos um levantamento dos gêneros mais utilizados, para, em seguida, avaliar a textualidade, ou seja, verificar até que ponto os princípios de coesão e coerência foram aplicados. Na análise, privilegiamos o diálogo porque é o gênero de maior freqüência.

Inicialmente, gostaríamos de tomar como referência as noções de texto, coesão e coerência assim definidas por estes autores.

Crystal (1988) define texto como:

unidades de língua com uma função comunicativa definível, caracterizada por princípios como COESÃO, COERÊNCIA e informação, que podem ser usados para fornecer uma definição FORMAL do que constitui sua textura ou textualidade. Com base nesses princípios, os textos são classificados em tipos de textos, tais como sinais de estrada, relatórios de notícias, poemas, conversas, etc.

Coesão é definida por Halliday e Hasan (1984:4) como uma relação semântica. Segundo eles,

A coesão ocorre quando a INTERPRETAÇÃO de algum elemento no discurso é dependente de um outro. Um PRESSUPÕE o outro, no sentido de que um só pode ser efetivamente decodificado se se recorrer ao outro. Quando isto acontece, estabelece-se uma relação de coesão, e os dois elementos, o que pressupõe e o que é pressuposto, estão dessa forma, pelo menos potencialmente, integrados ao texto.

Coerência, segundo Koch e Travaglia (1990:21) deve ser entendida como "um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto."

O CORPUS

Selecionamos as 03 séries didáticas brasileiras mais vendidas em Belo Horizonte em 1995 que, segundo informações da Nossa Livraria, são as seguintes:

New English Point

Eliana Aun, Maria Clara Prete de Morais, Neuza Bília Sansanovicz

Editora Saraiva 2a. edição 1995

A New Time for English

Amadeu Marques

Editora Ática, 10a. ed., 1993

Spot Line

Dirce Guedes de Azevedo

Editora FTD, 1992

Foram examinados os 4 volumes de cada série e listados os gêneros encontrados em cada material. Da série Spot Line , que apresenta 8 volumes, selecionamos os 4 últimos que correspondem ao nível dos volumes das outras duas séries. No quadro abaixo, vemos a relação dos gêneros por série didática.

New English Point A New Time for English Spot Line

agenda

canção adaptada

adivinhações

anúncio

canção autêntica

canções

canções

descrição

canções folclóricas

capa de revista

diálogos em quadrinhos

cartão

cardápio

fotografias de Brasília

cartas

carta

fotografias de Nova York

contos de fada

convite

horóscopo

diálogos em quadrinhos

cupons

mapa

narrativas

descrições

texto informativo

narrativas em quadrinhos

diálogos em quadrinhos

 

piadas

horóscopo

 

poemas

mapa

 

provérbios

palavra cruzada

 

quebra-cabeça

piada em forma de cartoon

 

rimas

propaganda

 

"tongue twisters"

relatos pessoais

   

rótulo

   

texto informativo

   

Abaixo, temos uma lista dos gêneros que aparecem nas 3 coleções didáticas:

adivinhação agenda canção adaptada

canção autêntica canções folclórica capa de revista

cardápio cartão carta

contos de fada convite cupom

descrição diálogo em quadrinhos fotografia

horóscopo mapa narrativa

narrativa em quadrinhos poema piada

propaganda provérbio quebra-cabeça

relato pessoal rimas texto informativo

"tongue twister"

PRINCÍPIO DA COESÃO

Uma característica dos materiais que se utilizam de textos artificialmente produzidos diz respeito à não aplicabilidade do princípio da coesão. O exemplo mais comum é a repetição desnecessária de um mesmo sintagma que poderia ser substituído por um dêitico. Na série A New Time for English, livro 1, p.92, por exemplo, encontramos o texto Peggy’s room, que se inicia com as seguintes frases: Peggy is in her room. Peggy’s room is beautiful. Não seria mais natural se a segunda frase fosse "It is a beautiful room."?

Votre (1987:120), ao analisar textos de iniciação à leitura em português, afirma:

A repetição literal desnecessária de sintagma nominal sujeito, na escrita, torna os textos "pesados", desinteressantes, sem com isso acrescentar fluência ou nexo textual. Desse nível de redundância advém a impressão de que os textos de iniciação à leitura são escritos para leitores retardados, ou com problemas de processamento textual, e que não conseguem reter um tópico na mente, mesmo que todos os mecanismos discursivos indiquem que é desse item que se está falando (cadeia tópica, continuidade de ação, ausência de concorrentes, codificação gramatical de concordância).

A mesma crítica pode ser feita aos manuais didáticos de ensino de inglês. Tal característica, pode ser, em parte, conseqüência da gradação gramatical das unidades o que , muitas vezes, impede que os dêiticos sejam utilizados por não terem sido ainda apresentados ao aprendiz. O uso desse tipo de estrutura poderá ter conseqüências na aquisição da escrita onde o aprendiz irá, provavelmente, reproduzir o modelo de texto artificial que ele encontra nos manuais.

PRINCÍPIO DA COERÊNCIA

Um tipo de fuga ao princípio da coerência diz respeito à inadequação das ilustrações ao texto. Na série New English Point, encontramos algumas incoerências entre texto e ilustração. No livro 1, p. 42, há uma figueira que mais parece um pé de manga. No livro 2, p.45, temos um texto sobre atividades diárias . Há um desenho de uma casa grande com garagem e tudo que é descrita como sendo a small house. Apesar do desenho mostrar uma casa de um só andar, o menino diz : ... I take a shower and go downstairs to the kitchen." No livro 3, p. 44, há 6 quadrinhos com cenas de uma festa de casamento onde se vêem os noivos dançando, cortando o bolo, etc, e a intenção é ensinar o futuro . O aluno deve numerar as frases de acordo com os desenhos. Há um total desencontro entre as ilustrações e as estruturas. Vejamos um exemplo. Em um dos quadrinhos, há um bolo sendo cortado pelos noivos e a frase que o acompanha diz: The bride and groom will cut their wedding cake.

Outro tipo de incoerência diz respeito ao desencontro entre o conhecimento de mundo do aprendiz e as informações registradas nos manuais. Na p. 94, encontramos a pergunta What do you usually eat for breakfast? seguida da fotografia de uma lata de pêssegos em calda, um prato com o mesmo doce e acima o título OPEN FOR BREAKFAST. Ora não se come pêssego em calda no café da manhã nem no Brasil e nem na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Na série A New Time for English, livro 1, p. 14, por exemplo, aparece uma ilustração com vários animais coloridos, alguns apresentados com cores que ferem nosso conhecimento de mundo. Assim temos um macaco vermelho, um camelo amarelo e um urso cor de rosa. O texto escrito reforça o texto visual (...) The camel is yellow.... That monkey is red. That bear is pink....(...)

O CONTEXTO

As questões sociolingüísticas começam a ser contempladas nesses novos materiais, mas ainda encontramos muitas negligências. Em alguns diálogos, os papéis são bem caracterizados e o registro adequado ao enunciador. Em outros diálogos não se sabe quem são os interlocutores e, em conseqüência, corre-se o risco de generalizar-se o uso das estruturas apresentadas. Na série New English Point, livro 1, p.82, as formas imperativas são ensinadas sem levar em conta as regras de polidez. Em uma coluna há descrição de estados incômodos e na outra ordens para alterar o estado descrito. Não se sabe quem são os interlocutores e nem em que contexto esses enunciados foram ou devem ser usados.

I’m tired.

I’m cold.

I"m hot.

I’m hungry.

I’m thirsty.

I’m late.

Help me.

Close the indow.

Open the door.

Eat a sandwich.

Drink a Coke.

Take a taxi.

Na série Spot Line, livro 7, p. 52, há uma cena em um restaurante onde duas crianças se comportam como adultos. A menina chama o menino de gluttonous, vocabulário bastante improvável de ser usado por uma criança, ou mesmo por pessoas muito próximas, já que é um registro bastante formal.

A ausência de contextualização é um dos problemas freqüentes nos materiais didáticos. Algumas soluções interessantes são adotadas pelos autores das séries analisadas. Amadeu Marques em A New Time for English, utiliza o humor para dar coerência aos textos. Veja por exemplo os quadrinhos onde o pretexto é treinar o passado, com o auxiliar did na forma negativa (livro 2, p.52). Há uma cena envolvendo pai, filho e professor. O professor menciona os erros na redação do filho sobre os homens pré-históricos. As frases com o passado se sucedem (They didn’t shave. They didn’t play tennis, etc)até o quadrinho final quando se descobre que o pai ajudou o filho a fazer a redação.

Na série New English Point, livro 1, p.47, solução interessante é encontrada para se treinar as estruturas what is this?/ that? que normalmente são apresentadas de forma muito artificial, pois as perguntas são feitas em contextos onde as informações são compartilhadas. No exemplo em pauta, um ET faz perguntas para um ser humano, o que torna o texto coerente, pois não se espera que um ET tenha o conhecimento de mundo dos humanos. Em outros contextos, no entanto, as perguntas what is this?/ that? são utilizadas sem a preocupação com o contexto.

Widdowson (1978: 7) faz a seguinte observação sobre estruturas do tipo This is a pen:

Temos aqui uma frase correta em inglês. É um exemplo de uso correto. Mas seria um exemplo de uso apropriado? É verdade que a frase refere-se a uma situação criada pelo professor, mas não é uma situação em que se esperaria que ele fizesse uso de tal frase, pois os alunos sabem o que é uma caneta. O que eles não sabem é o nome desse objeto em inglês.

Widdowson prossegue em sua argumentação e chega à conclusão de que a forma correta seria The English word for this is pen ou This is called ‘a pen’ in English. É evidente que a solução encontrada pelas autoras torna o texto mais coerente e mais atraente. No entanto, gostaríamos de contestar Widdowson, pois enunciados do tipo This is a pen analisados pragmaticamente revelam uma equivalência com os dois enunciados propostos por Widdowson __ The English word for this is pen ou This is called ‘a pen’ in English.

Outras boas soluções de contextualização , na série New English Point, são o uso da adição para o ensino dos numerais e a situação criada para o ensino do present continuous. No livro 1, p.87 e 88, uma pessoa telefona para a outra e pergunta o que ela está fazendo. O texto, dessa forma, adquire coerência, pois os interlocutores não podem se ver, o que torna apropriadas as perguntas e as respostas. Outro mérito, também observado na série Spot Line, pode ser atribuído às ilustrações que ajudam a contextualizar e tornar as atividades menos monótonas. Assim, exercícios de yes/no questions são feitos através de identificação de ações ou atitudes negativas ou positivas através dos desenhos. Outro bom exemplo de uso de ilustração é encontrado na série New English Point, livro 2 , p.23, em um exercício para treinar estruturas do tipo __ Where are you from? I’m from Brazil. I’m Brazilian. Where are you going to travel?To England. O exercício utiliza pares de bandeiras e o aluno tem que identificar o país que cada bandeira representa para reescrever as estruturas. Em outro exercício, aparecem símbolos representativos dos países (livro 2, p.29).

Uma outra evidência para dizer que os materiais estão se tornando mais apropriados é o uso, ainda tímido de textos autênticos, ou seja, textos reproduzidos de fontes reais (jornais, revistas, panfletos, etc), sem simplificações ou outro tipo de manipulação para o propósito didático. Na série New English Point, livro 1, encontramos, na p.77, dois anúncios de venda de casas e, na p.49, a fotografia de um pote de geléia onde se pode ler o rótulo. Na série Spot Line, há poemas, canções folclóricas, provérbios e contos de fada.

OS DIÁLOGOS DIDÁTICOS

O gênero diálogo, ou melhor, diálogo didático é o gênero de maior freqüência nos materiais analisados e tem como função introduzir estruturas sintáticas novas. Partindo do princípio de que o diálogo é o gênero privilegiado da interação, seria conveniente que ele tivesse um papel mais relacionado com o desenvolvimento da competência comunicativa em vez de ser usado como pretexto para apresentar estruturas e vocabulário novos. Pudemos constatar que, apesar de algum avanço em relação ao material analisado por Chiaretti (1993), o diálogo didático ainda não está desempenhando de forma adequada o papel de modelo conversacional, pois carrega pouca informação a respeito das condições de produção e interpretação da fala.

Numa conversa espontânea, o que se diz é uma criação em parceria. Os participantes se interrompem, fazem digressões e nem todos os tópicos são aceitos ou bem desenvolvidos. A fala é, portanto, marcada por iniciativa e competição. Os diálogos didáticos, que são criados artificialmente por um ou mais autores, passam por revisões e têm objetivos que atendem a um planejamento prévio de conteúdo programático. Os textos assim gerados terão, portanto, uma "sintaxe didática" - frases completas, super estruturação dos turnos, resultando em uma artificialidade provocada, sobretudo, pela simetria dos enunciados.

Na literatura corrente sobre material didático, há uma classificação geral sugerida por Canale & Swain (1980:2), que identifica o diálogo didático de base gramatical e o de base comunicativa. O primeiro preocupa-se com formas gramaticais (incluindo-se aí as fonológicas, morfológicas, sintáticas e lexicais) e enfatiza as maneiras pelas quais elas podem ser combinadas para formar sentenças gramaticais. O segundo se organiza em torno de funções comunicativas (desculpar-se, convidar, prometer). Acreditamos que manter uma dicotomia rígida entre os dois tipos de diálogos é de difícil sustentação, pela própria natureza dinâmica da língua, enquanto sistema em uso. Sperber & Wilson (1986:29-31) lembram que qualquer enunciado é um tipo de estímulo que informa alguma coisa a alguém e informa a esse alguém sua intenção; assim, em situações comuns, o reconhecimento da intenção informativa irá conduzir automaticamente à realização tanto da intenção informativa quanto da comunicativa. Não se trata aqui de falar sobre um enunciado, mas de um diálogo que é uma cadeia de enunciados, cujas funções se realizam num evento comunicativo dentro de um livro didático. Mas, de qualquer forma, pode-se interpretar, baseando-se em Sperber e Wilson (1986), que qualquer diálogo didático, mesmo o de base gramatical, está em condições de cumprir uma função comunicativa, inclusive na sua intenção de "informar sobre gramática" e ter esta intenção reconhecida pelo usuário do livro. Como alguns materiais didáticos adotam uma organização de conteúdo gramatical bastante ostensiva, melhor seria referir-se a "itens gramaticais em forma de diálogos" ao invés de diálogos gramaticais. Vejamos os pontos positivos e negativos na utilização do gênero detectados por nossa análise.

PONTOS NEGATIVOS

1. Ausência de aberturas e/ou fechamentos.

Constatamos que quando um diálogo tem uma abertura aceitável não tem fechamento e vice-versa. É difícil encontrar os dois. Vejamos um exemplo do livro 5 da série Spot Line (p.6):

AT SCHOOL

Pat: Hi, Peter! What is this?

Peter: Hi, Pat! It is my book.

Pat: What is this?

Peter: It is my notebook.

Pat: This is my pen, Pat.

Peter: Oh, it is beautiful!

Pat: This is my...

Peter: Oh, no, Peter! It isn’t your ruler. This is my ruler!

O diálogo é aberto por Pat que cumprimenta Peter, mas termina sem um fechamento. Como o leitor não sabe se o evento de fala acontece em uma sala de aula ou em outro local, pois não há índice suficiente nas ilustrações, não há possibilidade de se inferir o que vai acontecer em seguida. Será que Pat vai embora? Será que Peter vai insistir que a régua é dele? Ou será que o diálogo vai ser interrompido por outro personagem? No exemplo acima, ainda poderíamos questionar a organização dos dois primeiros turnos. Parece-nos mais natural que eles se estruturassem da seguinte forma:

Pat: Hi, Peter!

Peter: Hi, Pat!

Pat: What is this?

Peter: It is my book.

Um outro exemplo de ausência de fechamento, foi retirado do volume 1 de New English Point (87-88).

A CHAT ON THE PHONE

Raul: Hello!

Joe: Hello! This is Joe speaking.

Raul: How are you Buddy?

Joe: Fine and you

Raul: Fine.

Joe: What are you doing now?

Raul: I’m watching TV. and you?

Joe: Watching TV! You’re crazy! What about the math exercises?

There are ten difficult problems for homework.

Raul: Take it easy! There’s enough time...

Joe: Raul, your voice is different. Are you sick?

Raul: No, I’m not.

Joe: Are you eating anything?

Raul: No, I’m not. I’m only chewing gum.

O texto se encerra no meio do diálogo telefônico. Não há fechamento e o leitor tem a sensação de que o texto foi mutilado. Nesse diálogo também temos que discordar da abertura que não obedece as regras de conversa ao telefone. Quem diz Hello! é apenas quem atende o telefone.

2. Violação da máxima da quantidade

Como se trata de um texto didático, é comum vermos em um mesmo turno as formas breves e as frases completas, o que confere um certo grau de artificialidade ao texto. Vejamos o exemplo de livro 1 da série New English Point (p.8)

A: Are you Bob Thompson?

B: Yes, I am Bob Thompson.

Outro exemplo é encontrado na página 15 do mesmo livro. Um garoto entra em um consultório e pergunta à recepcionista "Are you the recepcionist?". Quando o dentista chama o próximo, o menino pergunta "Is he the dentist?" Fica óbvio que o texto serve de pretexto para fixar respostas curtas com o verbo "to be", pois a situação é absurda.

3. Ausência de sinais do ouvinte

Numa interação autêntica, como nos lembra Marcuschi (1986), o ouvinte emite sinais que orientam o falante. Esses sinais podem demonstrar concordância ou discordância, ou serem indagativos. Entretanto, o trecho abaixo, de New English Point, livro 1 (p.8), não apresenta tais indicadores.

(...)

A: And You?

B: I’m Sally?

A: Sally Green?

B: No, she is Sally Green. I am Sally Tody.

O ouvinte não emite nenhum sinal (tipo, Oh!/I see./ Sorry) para mostrar aceitação do reparo, como seria natural em uma conversa espontânea. Mais uma vez temos um diálogo que se encerra sem fechamento.

PONTOS POSITIVOS

1. Repetição como estratégia de confirmação

O ouvinte repete no total ou em parte o que ouviu como forma de pedir confirmação.

A: And You?

B: I’m Sally?

A: Sally Green?

B: No, she is Sally Green. I am Sally Tody

2. Presença de marcadores de hesitação

Ex. Mmm... green or blue?

3. Uso de interrupção e sobreposição

Yes, mom, I’m late, but...

but what?

my book isn’t on the table

What book?

the English book.

4. Uso de atos indiretos de fala

O diálogo abaixo (New English Point, livro 1, p.42) é um bom exemplo. A ilustração é de um menino que lambe os lábios e o recurso visual funciona como suporte para o leitor ler o não-dito, que reproduzimos entre parênteses.

Girl: These figs are ripe. (Estão bons para serem comidos)

Mother: So what? (Você quer dizer que quer comê-los)

Girl: I’m hungry! (Eu quero)

Boy: I’m hungry, too! (Eu também)

Girl: They are sweet! (Estão ótimos)

A maioria dos diálogos aparece em forma de quadrinhos, recurso este que é o mais utilizado pelas três séries. No entanto, acreditamos que o gênero é subtilizado como pretexto para introduzir estruturas do discurso oral. O gênero quadrinho poderia ser mais explorado, pois seus recursos gráficos e tipos de balões podem auxiliar a suprir formas verbais ainda não adquiridas pelos alunos. Apesar da variedade de tipos de balões, predomina o balão da fala normal.

Ocasionalmente, achamos o balão que indica pensamento e, uma única vez, o balão que indica surpresa (New English Point, livro 2, p.21). Na série Spot Line, encontramos alguns quadrinhos com legendas em vez de balões. Outros recursos da linguagem dos quadrinhos, como as onomatopéias, o espaço gráfico, as expressões faciais, são totalmente ignorados.

A utilização de determinado gênero como pretexto não se restringe aos quadrinhos. O mesmo acontece com a canção na série A New Time for English, onde o gênero é utilizado como pretexto para treinar determinadas estruturas. No livro 1, em cada uma das oito unidades há uma canção usada com esse objetivo. A melodia da canção folclórica, London Bridge is Falling Down (livro 1, p.16), por exemplo, ganha o título It’s a lion com a nova letra

Is that a House? Yes it is. Yes, it is. Yes, it is. Is that a House? Yes it is. Yes, it is. Yes, it is. Is this a flower? No, it isn’t. No, it isn’t, no it isn’t. Is this a flower? No, it isn’t, It is a tree.

Na segunda estrofe house, flower e tree são substituídas por chair, dog e lion respectivamente. A canção folclórica escocesa Auld Lang Syne (livro 1, p.36) se transforma em I am from Jundiaí, com a letra,

Are you from China or Korea? Are you from Vietnam? Are you from China or Korea? Are you from old Japan? No, I am not from Vietnam, I am from Jundiaí. No I am not from old Japan, I am from Jundiaí.

Outra questão que chama nossa atenção é a ideológica, mas como delimitamos nosso trabalho aos gêneros discursivos, vamos resistir à tentação de fazer esse tipo de análise. No entanto, não podemos deixar de mencionar o desserviço à educação presente na série New English Point quando no livro 1, p.15, o consultório dentário é apresentado como se fosse um lugar de tortura. O paciente foge com medo da enfermeira quando a vê com uma seringa com anestesia. Em outra cena (p.21), o dentista e a enfermeira estão no encalço do paciente junto com um policial. Vale também mencionar também que os papéis femininos e masculinos são, normalmente, muito estereotipados, reforçando a visão de passividade da mulher. Os personagens são sempre de classe média, possuem carro, vão ao parque de diversão, fazem turismo, colecionam Cds, brincam de skate, têm suas jóias roubadas, dinheiro no cofre, etc, representando um mundo bem diferente da maioria dos alunos das escolas públicas onde esses livros são adotados.

O material didático está começando a despertar para as questões de ordem discursiva. Pudemos observar que os materiais mais adotados na década de 80 foram reformulados e passaram a incluir uma maior variedade de gêneros. A série Spot Line, por exemplo, apresenta uma grande variedade de atividades lúdicas tais como palavras cruzadas, adivinhações e quebra-cabeças. Os textos estão dentro do universo da criança __ rimas, contos de fada, piadas e adivinhações __ o mesmo pode ser dito do vocabulário __ gnome, wizard, monster, fairy, etc.

Apesar de ainda persistirem falhas de coerência e coesão, alguns defeitos foram sanados nas atuais edições. Na página 16, do livro 1 da série Time for English de Amadeu Marques, na edição de 1984, por exemplo, havia o seguinte texto:

Time to Visit London

This is a bus and..........Big Ben. Big Ben is not a watch. It is a big ...............This bus is not green. It is red. This bus is not number four. It is number..............

This is a park in London. It is not brown. It is ...... And that ‘s Charlies in the park. Hello, Charlie!

This is a "Bobby", a policeman in London.

São três pequenos textos acompanhados de 3 fotografias. O texto é usado como pretexto para treinar a estrutura "That is" e fixar vocabulário estudado na lição. No primeiro texto, podemos apontar ausência do princípio de coesão com a repetição do sintagma "Big Ben" em vez da substituição pelo dêitico it. No primeiro e no segundo texto, podemos verificar, também, que o princípio da coerência foi ferido. Em primeiro lugar, em uma descrição, enumeram-se as características presentes no objeto da descrição e não as ausentes. Uma característica ausente é apontada quando se estranha a sua ausência, o que não é o caso de "This bus is not green" (no primeiro texto ) e de "It is not brown" (segundo texto), pois não se espera que um parque seja marrom e sim verde. Ora, a presença dessas frases tem uma única função __ ajudar o aprendiz a lembrar, por contraste, dos adjetivo "red" e "green" que devem utilizar para completar as frases seguintes. Em segundo lugar, a descrição é interrompida bruscamente, por um cumprimento __ "Hello, Charlie!"__ gênero oral, deslocado para dentro de uma descrição. A própria figura de Charlie encontra-se imposta à fotografia do parque, já que é um desenho dentro de uma fotografia.

Como nos lembra Lajolo (1985), em situações escolares, o texto costuma virar pretexto, ser intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo. O autor, nestes exemplos, perde a oportunidade de permitir que o texto cumpra a sua função informar o leitor sobre Londres para testar o conhecimento de determinado vocabulário. Na nova edição, aparece apenas uma das fotografias, a do Big Ben com o ônibus. O texto não apresenta lacunas para completar e vem acompanhado de perguntas de compreensão. Ainda há problema de coesão, mas nota-se um avanço.

This is a picture of London.

London is the capital of England. That is a bus and that is Big Ben. Big Ben is not a watch. It is a clock. It is a big clock.

CONCLUSÃO

Apesar das falhas apontadas pelo nosso estudo, queremos ressaltar que ao analisar textos em materiais didáticos de ensino de língua estrangeira, não podemos perder de vista o gênero didático que se sobrepõe a cada um dos gêneros apresentados. Mesmo que eles sejam autênticos, o seu leitor não é um leitor comum, mas um aprendiz que está perante um texto que, além de lhe trazer alguma informação, prazer estético ou lúdico, deve também contribuir para a aquisição/aprendizagem daquele idioma.

Esperamos que as críticas aqui apresentadas possam ser úteis àqueles que assumem a tarefa de escrever material didático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANALE, Michael & SWAIN, Merril. Theoretical bases of communicative approaches to second language teaching and testing. Applied Linguistics. Oxford: Oxford University Press, v. 1, n.1, p.1-25, 1980.

CHIARETTI, P. Avany. A performance do diálogo no livro didático de inglês: evolução e limites do gênero. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1993. (Dissertação de mestrado)

CRYSTAL,David. Dicionário de lingüística e fonética. Trad. e adap. Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

HALLIDAY, M. A. K. & HASAN, Ruqaiya. Cohesion in English. 6a ed. London and New York: Longman, 1984.

KOCH, Ingedore Villaça & TRAVAGLIA, Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 1990.

LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. IN: ZILBERMAN, Regina (org.) Leitura em crise na escola. 5a. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985. p.51-62

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Ática, 1986.

SPERBER, Dan & WILSON, Deirdre. Relevance: communication and cognition. Oxford: Basil Blackwell, 1986.

VOTRE, Sebastião. Discurso e sintaxe nos textos de iniciação científica. IN: KIRST, Marta & CLEMENTE, Ir. Elvo. Lingüística aplicada ao ensino de português. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p.111-126

WIDDOWSON, H. G. Teaching language as communication. Oxford: Oxford University Press, 1978.

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