PAIVA, V.L.M.O.Modelo fractal de aquisição de línguas In: BRUNO, F.C. (Org.) Reflexão e Prática em ensino/aprendizagem de língua estrangeira. São Paulo: Editora Clara Luz, 2005. p. 23-36
MODELO FRACTAL DE AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa, tudo sempre passará
A vida vem em ondas como mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo no mundo
(...)
Como uma onda no mar
Neste artigo faço uma breve revisão de alguns modelos de aquisição de segunda língua para em seguida propor um modelo de aquisição baseado na teoria dos sistemas complexos ou teoria do caos. Defendo que os modelos existentes são compatíveis com uma teoria fractal de aquisição de línguas, pois cada um deles estaria descrevendo um dos aspectos do sistema complexo chamado aquisição de línguas.
In this article, I briefly review various models of second language acquisition in order to then propose an acquisition model based on complex systems theory, or chaos theory. I defend the idea that the existing models are compatible with a fractal theory of language acquisition, since each one of them describes a certain aspect of the complex system called language acquisition.
1. O problema
Os modelos de aquisição, a meu ver e de vários autores (McLaughlin, 1987; Ellis, 1990; Brown 1993a e 1993b), não contemplam todos os processos envolvidos na aquisição de uma língua e, muito menos, os de uma língua estrangeira (LE). Vejo esses modelos como visões fragmentadas de partes de um mesmo sistema. Embora seja possível teorizar sobre a existência de alguns padrões gerais de aquisição, cada pessoa tem as suas características individuais, sendo impossível descrever todas as possibilidades desse fenômeno. Há variações biológicas, de inteligência, aptidão, atitude, idade, estilos cognitivos, motivação, personalidade e de fatores afetivos, além das variações do contexto onde ocorrem os processos de aprendizagem ─ quantidade/qualidade de input disponível, distância social, tipo e intensidade de feedback, cultura, estereótipos, entre outros. (ver Ellis, 1990; Brown, 1993a e 1993b; Ehrman, 1996).
A combinação desses fatores, no entanto, não é determinista no sentido de que, um conjunto X, na proporção Y de variáveis, geraria uma aprendizagem bem-sucedida ou malsucedida. O ser humano é imprevisível, e mudanças e ajustamentos diferentes podem ocorrer em situações semelhantes.
Muitos autores já haviam aludido à complexidade do fenômeno desse tipo de aprendizagem. Nunan (2001:91) refere-se à complexidade de aquisição de segunda língua dizendo:
"Current SLA research orientations can be captured by a single word: complexity. Researchers have begun to realise that there are social and interpersonal as well as psychological dimensions to acquisition, that input and output are both important, that form and meaning are ultimately inseparable, and that acquisition is an organic rather than a linear process."
Almeida Filho, após mencionar aspectos dessa complexidade, afirma que "língua estrangeira é, por outro lado, também um conceito complexo que o professor precisa contemplar, e sobre ele refletir, no exercício da profissão." No entanto, foi Larsen-Freeman (1997) quem primeiro tratou dessa complexidade à luz da teoria dos sistemas complexos ou teoria do caos.
"A teoria do caos afirma que pequenas mudanças podem resultar em grandes diferenças e que há uma ordem subjacente a tudo que nos rodeia" A teoria "tenta explicar que resultados complexos e inesperados podem ocorrer, e ocorrerão, em sistemas que são sensíveis às suas condições iniciais".Essa forma de pensamento não-linear contraria a lógica cartesiana, ignora as hipóteses deterministas e abandona o conceito de ciência no sentido de que o conhecimento deve ser sistemático, objetivo e generalizável. O conceito de contexto passa a ser crucial para que possamos entender a natureza diversificada dos fenômenos. De acordo com a nova forma de olhar os fenômenos, os sistemas são complexos, não-lineares, dinâmicos, caóticos, imprevisíveis, sensíveis às condições iniciais, abertos, sujeitos a atratores, e adaptativos pois se caracterizam pela capacidade de auto-organização.
Larsen-Freeman apresenta várias evidências para comprovar que há semelhanças entre a ciência do caos/complexidade e a aquisição de segunda língua: a dinamicidade do processo de aprendizagem; sua complexidade; a não-linearidade; a sujeição a atratores; e a auto-organização da interlíngua, que está em constante processo de reestruturação, e se explica pela sensibilidade do sistema ao feedback. Para defender sua tese, a autora se limita a discutir cinco exemplos: mecanismos de aquisição, definição de aprendizagem, estabilidade e instabilidade da interlíngua, sucessos diferenciados e o efeito da instrução.
Ao discutir o primeiro exemplo, Larsen-Freman (1997:152-154) reúne Piaget (construtivismo) e Chomsky (inatismo), afirmando que "tanto a criatividade individual quanto a interação social se combinam para influenciar a moldagem da gramática em desenvolvimento". (p.154)
Vygotsky, bem antes do surgimento da teoria dos sistemas complexos, na década de 20, já teorizava que o pensamento verbal é uma entidade dinâmica e complexa e seu desenvolvimento um percurso complexo, com múltiplas variações e "uma variedade infinita de movimentos progressivos e regressivos, de caminhos que ainda desconhecemos." (Vygotsky,1987: 130).
Motivada pela teoria da complexidade, pretendo prosseguir nessa linha de reflexão, em uma tentativa de rever, de forma teórica, algumas intuições que me acompanham há muito tempo e para as quais eu não encontrava respaldo teórico.
O aumento crescente de pesquisas qualitativas sobre aquisição parece ser evidência de que a aprendizagem não é um fenômeno que possa ser explicado de acordo com leis causais. Segundo Erickson (1996:104),
"positivist research on teaching presumes that history repeats itself; that what can be learned from past events can generalize to future events – in the same setting and in different settings. Interpretive researchers are more cautious in their assumptions. They see, as do experienced teachers, that yesterday’s reading group was not quite the same as today’s, and that this moment in the reading group is not the same as the next moment."
Para as ciências da complexidade, a natureza é um sistema complexo e, dentro dele, convivem outros sistemas igualmente complexos. Parece-me promissor, portanto, pensar a aprendizagem de línguas como um desses sub-sistemas dinâmicos e complexos, e, assim, tentar explicar tanto segunda língua (SL) como LE, sem ignorar as especificidades de cada uma.
Há evidências suficientes para se advogar que a aprendizagem de línguas parece ser realmente um sistema complexo adaptativo – complexo pela dificuldade de descrição e adaptativo pela capacidade de adaptação às diferentes condições que lhe são impostas pelo ambiente. A passagem de falante de uma língua materna para falante de uma segunda língua, ou língua estrangeira, é algo complexo que acontece entre a ordem total e o caos, ou seja, a imprevisibilidade.
As teorias sobre aquisição têm pensado a aquisição dentro de uma ótica linear e mecanicista da previsibilidade. Vejamos, de forma sucinta, como isso se dá em algumas teorias:
·
o modelo behaviorista vê a aquisição como criação de hábitos automáticos adquiridos através da imitação em forma de repetição (drills);·
a hipótese do input de Krashen (1985) ressalta a importância de input compreensível adicionado a um nível de dificuldade (i+1) para que a aquisição ocorra.·
Hatch (1978) enfatiza a importância da interação, especialmente para a aquisição de vocabulário: o aprendiz interage com falantes mais proficientes, negocia sentido e adquire a língua.·
Swain (citada em Markee, 2000:8), argumenta que "os aprendizes devem também produzir output compreensível para mover a interlíngua da análise semântica para a análise sintática do input".·
Schumann vê a aquisição de SL como um processo de aculturação, ou seja, uma maior adaptação ao grupo social sem a interferência de fatores afetivos (ex. choque cultural) é a causa da aquisição da língua falada por aquele grupo. Na visão de Schumann, quanto mais o aprendiz se aproxima da cultura do outro (aculturação), mais ele aprende a língua (Ellis, 1985 e 1997).
Muitas outras hipóteses poderiam ser listadas, todas elas apontando para um dos sub-sistemas, ou partes do processo de aprendizagem, que compõe o sistema complexo que é a aquisição de uma outra língua. Considero que todas essas teorias, inclusive a behaviorista, representam esforços para explicar partes de um mesmo todo e não devem ser descartadas, mas reunidas de forma a se ter uma visão global do processo.
3. Aprendizagem como um sistema complexo
A aprendizagem de uma língua, como qualquer outra aprendizagem, não é um processo linear e, portanto, não pode ser tão previsível quanto tem sido hipotetizado em alguns modelos de aquisição. Diferenças mínimas nas condições iniciais de aprendizagem podem produzir resultados muito diferentes. Nos sistemas complexos, como reporta Lewin (1994:23),
"estímulos pequenos podem levar a conseqüências dramáticas. Isso é freqüentemente caracterizado como o chamado efeito borboleta: uma borboleta bate as asas na floresta amazônica, e põe em movimento acontecimentos que levam a uma tempestade em Chicago. Na próxima vez que a borboleta bate as asas, entretanto, não acontece nenhuma conseqüência meteorológica."
Chris Langton, em depoimento a Lewin (1994: 24), explica o comportamento dos sistemas dinâmicos não-lineares da seguinte forma:
"Em um caso, você pode ter algumas coisas interagindo, produzindo um comportamento tremendamente divergente. É o que você chama de caos determinista. Noutro caso, as interações num sistema dinâmico fazem surgir uma ordem global, com todo um conjunto de propriedades fascinantes".
Nunca podemos afirmar, com segurança, o que vai acontecer em um processo de aprendizagem, pois o que funciona para um aprendiz não é produtivo para outro. Há um conjunto imprevisível de comportamentos dinâmicos possíveis no contexto da aprendizagem, pois a criatividade é uma característica dos sistemas complexos. Norman, citado por Lewin (1994:71), denomina essa "criatividade inerente aos sistemas complexos" de "o limite do caos".
O conceito de limite do caos guarda semelhança com o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) de Vygotsky (1984), que, por sua vez, também se assemelha ao conceito de input+1 de Krashen (1985).
Vygotsky que percebeu a determinação histórica da consciência e do intelecto humanos, também acreditava em um processo de aprendizagem de línguas não-linear. Segundo ele,
"o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamentos de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra." (1984:83).
A aprendizagem, para Vygotsky, acontece na zona de desenvolvimento proximal, que ele define como:
"a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes." (p.97).
Krashen (1985:2) advoga que aprendemos uma língua através da recepção de "input compreensível". Segundo ele, "nos movemos de i, nosso nível atual, para i+l, nosso próximo nível ao longo da ordem natural, ao entender o input que contém i+l". E continua:
"We are able to understand language containing unacquired grammar with the help of context, which includes extra-linguistic information, our knowledge of the world, and previously acquired linguistic competence".
Pode-se verificar que ambos os autores se referem a um ponto de emergência de aprendizagem semelhante ao "limite do caos", sensível a variações de partes do sistema: o aprendiz estimulado por input+1 (Krashen) ou o aprendiz em interação com falante mais competente (Vygotsky ).
Figueiredo (2001:63) chama a atenção sobre as divergências entre autores no que concerne à comparação entre os construtos de Vygotsky e Krashen. Diz ele:
Alguns estudiosos dos processos de aprendizagem de L2, como, por exemplo, Richard-Amato (1988) e Schinke-Llano (1993) associam direta ou indiretamente a noção de ZDP com a noção de i+1 de Krashen (1982, 1985), por entenderem que o que Krashen (1982, 1985) chama de i é o que Vygotsky (1998) chama de nível de desenvolvimento real da criança, e o i+1 seria a zona de desenvolvimento proximal. Porém, Dunn e Lantolf (1998) e Thorne (2000) argumentam que as semelhanças entre os dois construtos são superficiais e as diferenças profundas, haja vista que, para Krashen (1985), a aquisição ocorre à medida que o indivíduo é exposto a input compreensível, ficando em segundo plano as questões de interação e de output. Já para Vygotsky (1998), a interação, o diálogo, é a chave para o desenvolvimento cognitivo.
Para o nosso propósito, no entanto, o ponto relevante é apontar que ambos perceberam que existe um ponto de emergência de aprendizagem, ainda que a visão de Krashen esteja apoiada apenas na questão do input e a de Vygotsky na interação.
Proponho, então, que um modelo de aquisição de línguas deva ser pensado como um conjunto de conexões de um sistema dinâmico que se move em direção ao "limite do caos", ponto de transição (Lewin, 1994:71), ou seja, uma zona de criatividade com potencial máximo para aprendizagem.
A dinâmica dessas conexões faz com que esse sistema funcione como um todo indivisível onde cada parte só é produtiva se estiver em constante interação com as outras e não como entidade independente. Como em uma geometria fractal, em um caleidoscópio, há possibilidades infinitas de combinações dessas partes que constituem os fractais do processo de aquisição. Pequenas alterações poderão provocar mudanças substanciais, como efeito de um seixo que rola e desencadeia uma avalanche.
4. Atratores e capacidade de adaptação
As montagens fractais funcionam como "atratores caóticos", ou seja, rotas percorridas pelo sistema dinâmico.
Muitos sistemas dinâmicos apresentam três tipos de atratores: ponto fixo, periódico e caótico (Lewin,1994: 65). Na aprendizagem de LE, minha hipótese é que o ponto fixo (ou equilíbrio) seria o conhecimento já adquirido, por onde passam todas as trajetórias de aprendizagem de língua, associando o novo conhecimento aos já adquiridos. A cognição seria um atrator periódico e os outros atratores caóticos, ou "atratores estranhos", seriam os diversos fatores que interferem na aprendizagem (interação, input, materiais, etc.). Esses atratores se alteram constantemente. Como diz Lewin (1994:93), "Eles mudam, as possibilidades dinâmicas mudam à medida que o meio ambiente muda".
Se aceitarmos esse modelo, não estaremos rejeitando os anteriores, mas conectando-os, pois cada um deles tenta explicar uma fração do que ocorre no fenômeno complexo da aprendizagem.
Façamos uma analogia. Para caminhar, eu preciso ter coração e pulmão em um estado X de funcionamento; o caminhar aumenta a minha oxigenação e melhora meu metabolismo; meu coração também se beneficia com o meu caminhar. Todas as partes estão em conexão e é essa conectividade que mantém o organismo vivo.
Processo semelhante acontece na aprendizagem de línguas. A conexão dos sub-sistemas ─ processos biológicos, cognitivos, afetivos; motivação; contexto social e histórico; processos de afiliação; processamento de input; criação de hábitos automáticos; interação ─ pode gerar períodos de estabilidade, entremeados por picos de mudanças. As turbulências causadas por alterações em um dos módulos desencadeiam efeitos nos outros elementos da cadeia. Como os sistemas complexos são adaptativos, após o caos, a ordem se restabelece, mas nunca igual à ordem anterior. Em outros momentos, entretanto, nada acontece, o que demonstra a imprevisibilidade dos sistemas complexos.
Como em uma narrativa (entendida de acordo com a definição de Todorov,1979:138), na aprendizagem também temos uma situação estável que uma força qualquer vem perturbar. Disto resulta um estado de desequilíbrio; pela ação de uma força dirigida em sentido inverso, o equilíbrio é restabelecido; o segundo equilíbrio é semelhante ao primeiro, mas os dois nunca são idênticos.
As possibilidades do desequilíbrio dessa ordem estável, no contexto de aprendizagem, são inúmeras. Um dos exemplos mais simples seria a leitura de um texto em que aparece uma palavra desconhecida, gerando um desequilíbrio no processamento do sentido. Várias alternativas de forças no sentido inverso podem ocorrer ─ consulta a dicionário, inferência do significado pelo contexto, consulta a outra pessoa ─ para restabelecimento do equilíbrio, que, no entanto, não é mais igual ao primeiro, pois uma conexão foi feita e mais informação foi adicionada ao processo de aprendizagem.
Assim, vejo que a aquisição de línguas não deve ser vista como um produto final, mas como um processo contínuo e interminável em que temos uma dinâmica recorrente, de um padrão dentro de outro padrão. Além do mais, devemos considerar que o objeto da aprendizagem de línguas, a própria língua, também não é estático, mas dinâmico, um sistema complexo em constante mutação.
Assim como uma rede só é uma rede devido às suas várias interconexões que vão se repetindo dentro de um mesmo padrão, a aprendizagem de línguas, a meu ver, funciona de forma fractal: operações cognitivas impulsionadas pelas interconexões entre as partes múltiplas de um sistema que vão se repetindo e construindo a rede de conhecimento/uso da língua em um continuum.
Segundo Gleick (1989: 103), a abordagem fractal "abarca toda a estrutura em termos das ramificações que a produzem, ramificações que se comportam de maneira coerente, das grandes a pequenas escalas". Assim, como o redemoinho se forma pelo contínuo de formas auto-semelhantes em conexão, a aprendizagem de línguas seria o resultado de um contínuo de processos auto-semelhantes, como veremos mais à frente.
A aprendizagem de uma LE é um processo que sofre mediações diversas, ocorre em contextos diversificados e não funciona de forma igual com todos os indivíduos. Como cada ser humano é diferente do outro, os processos semióticos, as conexões efetuadas, serão também diferentes.
A representação do que é aprender língua está no campo do simbólico, ou seja, depende de decisões culturais, decisões essas arbitrárias e convencionais. Se examinarmos a história do ensino de línguas, veremos que essas representações têm sofrido mutações e influenciado nos métodos e abordagens de ensino: saber uma língua é conhecer sua gramática (sintaxe) e saber traduzir (método de gramática e tradução); saber uma língua é ter um comando oral o mais próximo possível do falante nativo (método direto e áudio visual); saber uma língua é usar essa língua para se comunicar de forma compreensível (abordagem comunicativa); saber uma língua estrangeira é se permitir desarranjos que alteram a constituição da subjetividade (abordagem discursiva), conforme Neves (2002), citando Nelman (1992) e Coracini (1998).
5. O modelo
Apresento, a seguir, uma representação gráfica do modelo que proponho, o modelo fractal, um sistema dinâmico complexo, composto de sub-sistemas igualmente complexos e dinâmicos. A ilustração é uma das possibilidades de combinação dos fractais. Como o sistema é dinâmico, outras combinações, imprevisíveis, certamente, ocorrerão. Neste exemplo gráfico, motivação, por exemplo, está diretamente conectada a contexto e a afiliação. Ela poderá ser acionada por um elemento do contexto (ex. uma viagem) ou por algum fator de afiliação (ex. estereótipo positivo em relação à língua). Outras configurações seriam possíveis. Motivação poderia, por exemplo, estar conectada à interação (ex. interação mediada por computador), ou ainda, conectada a vários outros fatores simultaneamente.
Cada subsistema se subdivide em vários outros fractais, representando variáveis que podem afetar todo o sistema de forma imprevisível, pois não são entidades estanques, mas elos de uma mesma rede de conexões. Cada fractal de um subsistema também se divide em outros fractais.
Os
outros componentes do subsistema que nomeio de Bio-cognitivo seriam: língua
materna, idade, gênero/identidade,
personalidade, estilos cognitivos e sensoriais, e algumas estratégias de
aprendizagem. No fractal Input incluo os seguintes tipos de input:
formal, não-verbal, comunicativo, artificial, autêntico, esporádico, contínuo,
oral, escrito, variado. No fractal Interação, listo as seguintes
possibilidades: real, simulada, virtual, negociada, em grupo, em par, centrada
no professor, com outros aprendizes, com nativos ou com falantes mais
competentes. O fractal do Contexto sócio-histórico reúne aspectos tais
como a sala de aula, o ambiente natural, o estímulo, o feedback, a cultura, o
grupo, os falantes, a oportunidade, o tempo, e o espaço. Em Automatismo
estão os sons, a entonação, as estruturas, o léxico, os chunks, a colocação,
os gêneros, os padrões textuais, os padrões discursivos, e as normas
interacionais. Em afiliação incluí a identidade, o preconceito, o
deslumbramento, a integração, o preconceito, os estereótipos, a proximidade,
o contexto político, a inconsciente, o status e o sentimento de pertencimento.
Finalmente, no fractal que denomino de Afetivo estariam incluídos: crenças,
medo, ansiedade, atitude, auto-estima, história de aprendizagem, autonomia e
tipos de motivação tais como integrativa, instrumental, política e afetiva.
Para
efeito de representação coloco os componentes biológicos e cognitivos em um
mesmo fractal, mas cada um desses aspectos corresponde a um fractal específico
que, por sua vez, também se subdividira em outros fractais. O fator
“estratégias de aprendizagem”, por exemplo, se subdividiria em vários
tipos de estratégias, como as cognitivas e metacognitivas. Nas cognitivas, teríamos
outras sub-divisões, tais como memorização, tradução, inferência, etc.,
que também se subdividiriam. Nas metacognitivas, estariam inseridos o
planejamento, a monitoração, e a avaliação da própria aprendizagem.
Na interconexão entre os fractais, podemos ter várias possibilidades de
organização. Para um aprendiz “interação”, por exemplo, pode estar,
entre outros movimentos, se conectando à ansiedade gerada pela crença de que não
ele não tem aptidão para a prender a língua e, como conseqüência terá
dificuldade para interagir na língua estrangeira. Um outro movimento poderia
gerar uma outra formação, e a interação poderia estar conectadas ao contexto
social (face a face ou mediado por computador). As possibilidades são
infinitas, pois infinitos são os fatores que interferem no processo de
aprendizagem.
Uma representação gráfica do modelo fractal em movimento pode ser visto no endereço http://www.veramenezes.com/fractal1.html. Uma outra imagem de movimentos do modelo em http://www.veramenezes.com/fractal2.html apresenta representações de possíveis subdivisões dos sub-sistemas, cujas partes ou fractais também estariam em interação, com uma possibilidade infinita de combinações dessa interação dinâmica entre os fractais do sistema complexo de aquisição.
O modelo aqui proposto explicaria tanto a aquisição de SL como de LE. O que distinguirá a aquisição de SL da de LE será o conjunto de variáveis do contexto, mais especificamente, se a língua é aprendida e usada no país de origem ou se á aprendida em paios onde se fala uma língua diferente da que se está aprendendo.
Dependendo das conexões entre os vários sub-sistemas, o sucesso no processo de aquisição poderá variar tanto em contextos de LE como de SL. Assim, podemos ter situações de aprendizagem de LE muito bem-sucedidas e situações de aprendizagem de SL não tão bem-sucedidas, dependendo do conjunto de conexões que são realizadas, ou que deixam de se realizar.
Os métodos de ensino têm variado de acordo com o conceito de língua predominante e, conseqüentemente, o conceito de aprender línguas também tem sofrido mutações. No entanto, os aprendizes continuaram a aprender e a usar essa SL, ou LE, apesar da metodologia a que foram submetidos. As mudanças metodológicas não foram os únicos fatores responsáveis por estimular o funcionamento dos processos de aprendizagem: houve outros fatores e, entre eles, a autonomia do aprendiz.
O aprendiz é parte central do processo e deve ser visto como agente de sua própria aprendizagem e não como um objeto que se plasma de acordo com as imposições dos métodos e do professor.
Por ignorar o papel do aprendiz, os vários métodos de ensino e modelos de aquisição geraram propostas e explicações lineares sem levar em conta que o ser humano é sempre o signo mediador de sua aprendizagem e que efeitos diferentes poderão surgir em reação ao mesmo conjunto de variáveis. Não podemos ignorar, também, "que o organismo apresenta tendências para determinadas formas de organização antes de aprender algo considerado novo para ele. Essas tendências correspondem à dinâmica intrínseca do sistema". (Pellegrini, 2000:33)
Parafraseando Pellegrini, ao descrever a aprendizagem de habilidades motoras, eu diria que, na aprendizagem de línguas, novos padrões comunicativos (compreendidos como padrões sintáticos, textuais, interacionais, e discursivos) emergem e se estabelecem com a prática (através da exposição ao idioma e de seu uso), modificando o estado do sistema. Esse novo padrão comunicativo, que foi adquirido, com a prática se incorpora ao atrator e o layout dos atratores se altera, pois novos padrões vão se somando ao longo do ciclo.
7. Conclusão
Ao longo de minha carreira tenho encontrado várias evidências de que a aprendizagem é um sistema complexo. Um desses exemplos é a capacidade de adaptação, uma das características dos sistemas dinâmicos. Nos dados de minha pesquisa sobre estratégias de aprendizagem (Paiva, 1994), verifiquei que meus informantes tentavam se adaptar ao contexto de aprendizagem de línguas estrangeiras, procurando aumentar as oportunidades de uso do inglês. Alguns relataram que conversavam consigo mesmo em frente ao espelho; outros tentavam nomear em inglês tudo o que viam ao longo do seu percurso de ônibus para o trabalho; assistiam a muitos filmes; ouviam canções; correspondiam-se com falantes da LE; e, principalmente, liam muito.
Outro exemplo de adaptação é a utilização da competência estratégica (Canale e Swain, 1980), ou estratégias de compensação (Oxford,1989), que auxilia o aprendiz a superar limitações no seu conhecimento. Ou seja, para superar falhas de seu conhecimento do idioma, o aprendiz lança mão desse tipo de estratégia e, assim, restaura o equilíbrio na interação com o texto ou com outro falante.
Saber uma língua não é apenas uma questão relacionada ao acúmulo de informações sobre as estruturas lingüísticas e o vocabulário, mas também a capacidade de criar novos enunciados a partir das conexões e do gerenciamento de interações orais e escritas.
Como afirma Packard, citado por Gleick (1989;251), "no desenvolvimento da mente de uma pessoa, desde a infância, as informações não são, evidentemente, apenas acumuladas, mas também geradas ─ criadas a partir de ligações que não estavam ali antes". Essa criatividade, já detectada por Chomsky (1957), parece explicar a capacidade que leva os aprendizes a produzir enunciados que nunca ouviram antes.
Acredito que a teoria dos sistemas complexos possa explicar fenômenos, tais como:
·
Um aprendiz permanece em equilíbrio, durante um certo tempo, e, de repente, acontece uma rápida mudança demonstrando avanço na aquisição. Ou seja, na aprendizagem temos períodos de estabilidade seguidos por "explosões" e mudanças;·
As mesmas estratégias de ensino e aprendizagem não causam efeitos semelhantes em todos os aprendizes;·
As conexões são necessárias para que o sistema funcione, sejam elas cognitivas ou sociais.·
O seqüenciamento de dificuldades Lingüísticas em um programa de ensino de LE não é fator determinante para sua aquisição, pois uma das características de um sistema complexo é a auto-organização, ou seja, dentro da desordem há uma ordem.·
Estímulos pequenos podem levar a conseqüências imprevisíveis, dramaticamente negativas ou positivas. Assim, em contextos formais, o professor pode não só ativar mecanismos de aprendizagem, através de pequenas atitudes, como criar barreiras intransponíveis.
Pensar a aquisição de línguas sob o prisma dos sistemas complexos leva-me a concluir que o professor deveria permitir que a criatividade de seus alunos aflorasse como no ditado chinês, "deixe que uma centena de flores floresça", em vez de impor a sua própria forma de aprender, ou suas crenças sobre a aquisição de uma língua.
É também papel do professor encorajar o contato constante do aprendiz com as mais diversas formas de input e promover as interações entre os diversos falantes (aprendizes, falantes competentes e nativos). A aprendizagem de uma língua, um processo também social, depende dessas conexões entre falantes.
Nos contextos de aprendizagem formal, a função do professor seria promover oportunidades de uso da língua e dar liberdade para que o aprendiz utilize as estratégias que melhor funcionem para ele, para, assim, aprender de acordo com seu estilo de aprendizagem. Através do uso do idioma em contextos formais ou naturais, o sistema complexo da aquisição segue sua rota e o aprendiz vai construindo seu conhecimento e adquirindo o idioma.
Dessa forma, nosso papel é "perturbar" uma zona estável e provocar o caos que resulta na zona de criatividade ("limite do caos" ou ZDP), onde pequenas mudanças podem ocorrer, gerando efeitos significativos nos processos de aprendizagem.
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