Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
Professora titular
da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e
pesquisadora do CNPq.
Atua na Graduação em
Letras e no Programa de Pós-Graduação
1 - O que caracteriza
o hipertexto? Quais são as suas especificidades?
O termo hipertexto foi cunhado por Ted Nelson, em
1960, em um projeto desenvolvido quando aluno de pós-graduação, em Harvard (WHITEHEAD,
1961). Hipertexto designa uma coleção de documentos com links, ou hiperlinks, que auxiliam o leitor a ir de um texto
(texto escrito ou imagem) a outro, em um movimento auto-gerenciado.
O hipertexto se caracteriza pela não-linearidade, pela liberdade do percurso
que o leitor pode construir.
Em
ent
A
princípio, poderíamos pensar que o hipertexto depende do autor que cria os links, mas hoje com os mecanismos de
busca cada vez mais inteligentes, qualquer leitor na web pode utilizar hipertexto,
saindo do texto e voltando ao mesmo, sempre que quiser aprofundar seu
conhecimento sobre algum tópico ou encontrar alguma informação rápida sobre
algo mencionado no texto. Já
existe software, por exemplo, que
transforma um texto inteiro em hipertexto, associando cada palavra ao
correspondente verbete em um dicionário.
2- O que caracteriza
os gêneros virtuais (ou digitais)?
Shepherd
e Walters (1999, p.1) afirmam que os gêneros são, geralmente, caracterizados
pela forma e pelo conteúdo e que pouca atenção é dada à funcionalidade das
mídias. No caso dos gêneros virtuais, ou digitais, os usuários têm certas
expectativas em relação à funcionalidade, além da forma e do conteúdo. O que
caracterizaria, então, esse tipo de gênero seria um conjunto de aspectos da
funcionalidade, tais como a hipertextualidade, a interatividade, e a
democratização do acesso, pois qualquer um pode ter acesso aos gêneros
digitais. Mesmo que alguém diga que nem todo mundo está conectado à Internet,
há terminais públicos em bibliotecas, livrarias e em instituições governamentais
e não-governamentais.
Quanto à forma, os gêneros digitais, pela sua própria
natureza, oferecem maior possibilidade de multimodalidade,
podendo integrar texto, imagem, vídeo e som. É claro que
alguns aspectos da funcionalidade sofrem restrições ora da tecnologia e ora
das instituições, pois, nem sempre, um usuário pode, por exemplo, ver um vídeo,
seja por limitações tecnológicas (tipo de equipamento e de acesso à Internet)
ou por restrições impostas por quem detém o controle sobre um terminal de
computador. Com o perigo de invasão de hackers ou contaminação por vírus, as redes, especialmente
nas organizações onde há muitos usuários, limitam o acesso a certos sites, impedem instalação de software e utilização de chat.
Alguns gêneros digitais
são evoluções de outros já existentes no suporte impresso ou no vídeo (ex.
vídeo clip, conto, fotografia). Outros nasceram com a
nova mídia, como o fórum e o chat, para citar apenas dois
exemplos.
3- O que diferencia a
linguagem usada na internet das outras manifestações lingüísticas?
Considero que, hoje, vivemos duas instâncias de uso
da linguagem. A “real” e a virtual. Muitas atividades mediadas pela linguagem,
em interações face a face ou mediadas por papel, áudio ou vídeo, podem, hoje, ter sua
contrapartida na Internet, ou seja, pela mediação do computador. Nesse sentido muda
apenas o suporte.
No entanto, a Internet oferece tecnologias que
permitem a criação de textos graficamente mais criativos e novas formas de
comunicação e interação que superam limites de tempo e espaço. O mais
interessante para mim, é que a linguagem da Internet possibilita a criação de
uma inteligência coletiva. Em texto no prelo, Paiva (2005) (http://www.veramenezes.com/comunidades),
discuto esse conceito.
Utilizando os termos de Lévy
(1998), podemos dizer que a Internet permite uma “coordenação das inteligências
em tempo real” e atinge uma “mobilização efetiva das competências”,
potencializando interações que produzem “um comportamento globalmente
inteligente”. Diz Lévy:
Interagindo com diversas comunidades, os indivíduos
que animam o Espaço do saber, longe de ser os membros intercambiáveis de castas
imutáveis, são ao mesmo tempo singulares, múltiplos, nômades e em vias de
metamorfose (ou de aprendizado) permanente.
Esse projeto convoca um novo humanismo que inclui e
amplia o “conhece-te a ti mesmo” para um “aprendamos a nos conhecer para pensar
juntos”, e que generaliza o “penso, logo existo” em um “formamos uma
inteligência coletiva, logo existimos eminentemente como comunidade”. Passamos
do cogito cartesiano ao cogitamus.(p.31-32)
As tecnologias da Internet possibilitam a expressão
do pensamento e a transmissão de informação, mas é na ênfase na interação que
reside seu diferencial. Os gêneros, tipicamente virtuais, permitem uma
interação criadora, pois cada enunciador é um co-construtor do texto, um co-autor
ou um co-criador. Uma página de fórum educacional nos mostra a co-construção de
textos acadêmicos, através de interações entre seus membros. Os blogs oferecem espaço para comentários
de seus leitores, o chat é co-construído
localmente de forma semelhante à conversa espontânea, com a diferença que se
materializa na tela e pode ser arquivado e até impresso.
4- Apesar de toda a diversidade lingüística nacional (variações
regionais), percebemos que os recursos usados para comunicação entre
internautas parece seguir alguns padrões, apesar da
aparente "desordem" lingüística. Os internautas de todo o Brasil
conseguem se compreender perfeitamente, pois utilizam os mesmos sinais
gráficos, abreviaturas, emoticons, etc. Como a senhora explica esse fenômeno?
Eu acho que fazem muito
barulho sobre isso. Há alguns anos fiz uma coleta de dados com adolescentes
internos na FEBEM e, em vários momentos, de nossa interação, eles usaram a
linguagem do “p” e outras linguagens que eu não conseguia compreender e muito
menos utilizar. Ou seja, usaram recursos de uma comunidade lingüística, a qual
eu não pertencia, de forma a me isolar ou mesmo deixar
evidente que eu não pertencia ao grupo.
Minha filha “tipo assim”, se refere a ônibus
como balaio e usa várias palavras que não fazem parte de minha comunidade
discursiva. Muitas vezes, tenho que pedir a ela que traduza o que está dizendo.
Assim como não me interessava aprender os códigos dos
internos da FEBEM, também não me interesso em aprender as gírias que minha
filha usa ou as formas de interação no “chat”.
Eu simplesmente não pertenço àquelas comunidades discursivas, mas se o fizesse,
aprenderia rapidamente as novas formas de comunicação, pois nós, os humanos, temos a capacidade de linguagem que nos permite
aprender e utilizar várias formas de expressão.
Entendo que não existe desordem lingüística, e nem
ameaça aos códigos já estabelecidos. Tanto é assim, que os usuários do chat
não enfrentam problemas de comunicação quando interagem com outras comunidades
discursivas. Nunca vi nenhum professor ou pais reclamando que não conseguem
5- Com o surgimento
dos "e-books", a senhora acredita que
haverá a substituição gradual dos livros tradicionais de papel, até a sua
completa extinção, ou "nada substitui o livro"?
Da mesma forma que o teatro, o rádio, e o cinema não
morreram com o advento da televisão, acredito que o livro não morrerá. Os e-books,
principalmente os publicados na web, vão ajudar na
divulgação mais democrática do conhecimento, mas a leitura intensiva na tela
não é algo confortável. A portabilidade do papel ainda não enfrenta competição
com o computador. Laptops ainda são
caros, pesados e as baterias têm duração limitada. Minha filha, por exemplo,
adora ler andando dentro da piscina. Isso é inimaginável com a mídia
eletrônica.
No entanto, algumas modalidades de textos impressos deverão
migrar para o mundo digital. Refiro-me aos periódicos e aos textos não-lineares
como o dicionário e a enciclopédia, os dois últimos pela facilidade de busca e
acesso à informação. As bibliotecas das universidades federais não recebem mais
verba para periódicos e o acesso a eles foi expandido pelo portal da CAPES.
Quanto às enciclopédias, o novo meio é mais eficaz, pois o conhecimento muda
rapidamente e é mais fácil atualizá-lo na web do que fazer reimpressões.
É interessante lembrar
também que a Internet complementa a mídia impressa. Alguns livros e
No nosso caso, a
circulação de nossos textos é tão restrita que eu até torceria para que o livro
acabasse. Assim não estaríamos submetidos à lógica do lucro das editoras e
poderíamos circular o conhecimento de forma barata e rápida. Optei por colocar
tudo o que escrevo na Internet e isso tem feito com que meus textos circulem
mais, até no exterior.
6- A língua usada na
internet é uma modalidade falada por escrito ou uma modalidade escrita com
erros ortográficos? Como a senhora compreende os
recursos usados nas manifestações eletrônicas?
Na Internet, temos uma grande variedade de registros
que se inserem em um continuum que vai da oralidade à
escrita. Quando digo escrita também penso em um continuum da escrita informal à
escrita acadêmica. No continuum da oralidade, podemos interagir usando um
microfone, logo linguagem oral, ou podemos usar o chat que,
por sua agilidade exige que usemos um código que se aproxima da oralidade, dela
tomando, de empréstimo, muitos traços, como, por exemplo, o jorro de idéias sem
muita restrição sintática.
Os gêneros e suas características determinam o tipo
de linguagem a ser utilizada. Houve uma época, por exemplo, que os telegramas
grafavam vírgula como VG e ponto como PT, devido às restrições da tecnologia.
Como o preço é por palavra, simplificava-se o texto ao máximo, mas ninguém
ficava chocado com isso.
Da mesma forma, a natureza do e-mail e do chat, incluindo seus
usuários, determinam o tipo de linguagem: abreviaturas para atender à agilidade
do gênero e emoticons
para suprimir a ausência de dados do contexto, tais como o riso e as expressões
faciais.
É preciso lembrar que essas características são
típicas desses dois gêneros e podem se estender aos blogs. No entanto, a
Internet veicula muito mais do que isso e usa outros registros que não diferem
dos meios impressos.
7- E quanto ao
e-mail? Ele pode ser considerado um gênero virtual/digital? Quais as
características que o definem como tal?
Em texto publicado em Paiva (2004), defendo que o e-mail, como o correio eletrônico, é um meio de transmissão de
vários gêneros. Mas que existe um novo – o e-mail
ou mensagem eletrônica – que serial uma mistura de vários
gêneros. Naquele texto, defino e-mail
da seguinte forma:
(...) um gênero eletrônico
escrito, com características típicas de memorando, bilhete, carta, conversa face a face e telefônica, cuja
representação adquire ora a forma de monólogo ora de diálogo e que se distingue
de outros tipos de mensagens devido a características bastante peculiares de
seu meio de transmissão, em especial a velocidade e a assincronia na comunicação
entre usuários de computadores. (p.77-78)
Quanto às suas características, podemos elencar: a
velocidade na transmissão; o baixo custo; a assincronia na comunicação; a
possibilidade de ser enviado e reenviado a milhares de pessoas no mundo inteiro;
a possibilidade de inserção de hipertextos em formato de links ou de anexos; e a facilidade de manipulação: pode ser lido na
web,
baixado para o computador pessoal, reproduzido e impresso.
8- O que é "Netiqueta"?
A netiqueta é uma coleção de normas de
interação que podem ser descritas de acordo com algumas máximas, como descrevi
em Paiva (2004, p.82)
Utilizando as máximas de Grice (1972) – modo,
qualidade, quantidade e relevância – e de Robin Lakoff (1973) – polidez – que prescrevem como deve ser o comportamento
do falante cooperativo, analiso da seguinte forma as instruções mais
recorrentes em textos de netiqueta.
Máxima do Modo:
identifique-se; não use caixa alta; especifique o assunto; seja claro,
objetivo; use os emoticons para minimizar a
ausência do contexto.
Máxima da Qualidade: Não
envie hoaxes (mensagens mentirosas) e scams (contos do vigário; fraudes
).
Máxima da Relevância:
especifique o assunto; evite mensagens fora do tópico da lista; não envie spam (mensagens indesejadas).
Máxima da Quantidade: apague
as linhas das mensagens recebidas, deixando só as partes essenciais; mensagens
individuais não devem ser mandadas para a lista; evite cross-posting
(envio da mesma mensagem para várias linhas); evite arquivos atachados.
Máxima da Polidez: evite flames
(mensagens agressivas); respeite a privacidade (não torne pública sua
correspondência particular); “Say hi
and bye” (use aberturas e
fechamentos)
9- O
surgimento e utilização cada vez mais ampla do e-mail sugere o fim das
cartas via correio?
Acredito que sim. Ao abrir a sessão de carta do leitor na
10- Existe um padrão
para a redação/organização do texto em e-mails?
Em Paiva (204, p.), tomando como
ponto de partida o editor de e-mail Outlook da Microsoft, afirmo o seguinte sobre o e-mail:
Dos textos escritos, herda a assincronia. Do memorando, toma de empréstimo semelhanças de forma que é automaticamente
gerada pelo software; do bilhete a informalidade e a predominância de um ou
poucos tópicos; da carta as fórmulas de aberturas e fechamentos. Dos gêneros
orais herda a rapidez, a objetividade e a possibilidade de se estabelecer um
“diálogo”. Da conversa face a face, temos um formato que guarda alguma
semelhança com a tomada de turno e a interação telefônica, além de limitações
contextuais também semelhantes, mas com a possibilidade de colocar em contato pessoas que se encontram
geograficamente distantes.
Na primeira linha, é obrigatório o preenchimento do campo com o endereço
digital de um ou mais destinatários; na segunda linha, o usuário pode inserir
endereços para onde serão enviadas cópias da mesma mensagem. Outro campo,
embutido na segunda linha, é um espaço para cópias ocultas, ou seja, você pode
enviar cópias para outras pessoas sem que o destinatário saiba. Na terceira
linha temos o assunto, que segundo Crystal (2001, p.97)
é um elemento crítico na tomada de decisão sobre prioridade de leitura ou até
de descarte do texto. Através dos assuntos, podem ser filtradas mensagens
indesejadas, utilizando-se ferramentas do próprio gerenciador de e-mails ou de
outro programa. Um outra opção é a assinatura do
usuário que pode ser inserida automaticamente assim que o autor inicia uma nova
mensagem.
11- Quais são as
perspectivas para o futuro quanto ao uso da internet como "canal"
para criação de novos gêneros ou formas de comunicação?
A Internet está para os dias de hoje como a imprensa
esteve para o século XV. Se a imprensa representava a possibilidade de
“subversão”, a Internet é uma revolução contra a censura e a manipulação da informação. Disseminar seu uso para fins educacionais e
sociais e dar acesso aos “sem internet” são os grandes desafios que enfrentamos.
Manter a Internet fora das garras dos governos ditatoriais de forma a assegurar
a liberdade de expressão é um outro desafio.
Quanto aos novos gêneros, acredito que com as
máquinas fotográficas, gravadores e filmadoras digitais ficando cada vez mais
acessíveis e com o avanço de aplicativos para a Internet, novos gêneros devem
surgir, com fortes características multimídia e hologramáticas.
Devem surgir, também, novos tipos de comunidades virtuais. Entendo que o Orkut é apenas o início e que novas comunidades com novos
objetivos e novos ambientes virtuais serão criadas.
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Acesso em 21/09/2004