DEZ/ENCONTROS

 Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva

     Na adolescência praticava o sexo solitário e pensava no amor. A cada orgasmo, perturbado pelo medo do monólogo proibido, sonhava com a liberdade. No quarto ao lado, os pais tinham pesadelos com o futuro da filha. O futuro e a liberdade vieram em forma de casamento: vestido de noiva, igreja, véu, padre, grinalda e flor de laranjeira. Os pais sorriam, aliviados, com a certeza do dever cumprido. Deram-lhe prendas universitárias e formação doméstica.  Ela sorria, vitoriosa. Agora era livre e não precisaria fazer sexo consigo mesma. Aos vinte e cinco anos, a liberdade estava consolidada. O marido sofreu a maior decepção quando teve certeza de que ela estava inevitavelmente alforriada. Ele tentou de todas as formas amenizar-lhe a liberdade, mas ela continuava cada vez mais livre. Do marido não queria nem o sobrenome e nem o talão de cheques, só o amor.Tinha profissão liberal, conta bancária, CPF próprio, carro próprio, partido próprio, candidato próprio, e até idéias impróprias para o gosto do marido e da família. A mãe, de vez em quando se perguntava onde é que falhara. Afinal o comportamento da filha não refletia a educação que lhe dera. O pai aconselhou-a a largar o emprego em troca de uma ajuda financeira mensal. O marido usou de argumentos físicos e abusou de violência verbal, mas ela não entendia que ele só queria  transformá-la em uma rainha: rainha-do-lar. Quando a conheceu, ficara encantado com a mulher moderna, segura e independente. Pensou na inveja que os amigos teriam quando a exibisse para eles. No entanto, acreditava que ela seria capaz de viver os dois papéis prescritos pela modernidade, mulher moderna e esposa dedicada. Afinal toda mulher‚ prisioneira dos fantasmas das mães, das avós, das bisavós... Paciente, ele fazia uso dos recursos que dispunha. Uma cara fechada um dia, ameaça de separação no outro... Passou o fim de semana na casa de um amigo e algumas madrugadas em bares da moda, sempre acompanhado dos amigos fiéis. Nada adiantava, ela continuava cada vez mais ousada. Chegara ao ponto de retribuir-lhe, em público, as grossuras que ele fazia com ela. Se ele saía com os amigos para tomar uma cerveja nas noites de sexta-feira, ela saía com os colegas de trabalho e ia para outro bar. Nem sempre chegava em casa antes dele. Os amigos morriam de dó ao vê-lo tão humilhado. Na roda que eles freqüentavam, ela era a única a se comportar daquela forma. Era muito atrevimento. Um dia ele desistiu de fazê-la feliz e como castigo confiscou-lhe o sexo. Ela não merecia mais ser premiada.  Não houve negociação. A decisão foi unilateral e ela nada pode fazer contra a abstinência compulsória. Pagava o preço pela agressão de ser livre nas minas gerais.E ela voltou ao sexo solitário, sonhando com um príncipe encantante. Na maturidade dos trinta anos, filhos saudáveis, marido provedor, nada lhe faltava, só o amor. Fez um pacto consigo mesma. Abriria mão do amor e buscaria pelo menos o sexo. Sexo era fundamental. Tudo o que queria era um sócio para se alimentar de sexo. Não precisava haver paixão, aliás era necessário que não houvesse. Um dia apareceu um pretendente a amante. Um filósofo, dez anos mais velho, que se encantou com sua cabeça. Mas ele só conseguiu penetrar no mundo das idéias. Ela não quis mais vê-lo e, de despedida, deu-lhe um livro de contos eróticos. Depois apareceu outro, dez anos mais novo. O primeiro e único encontro foi no carro dela. Estacionou o carro em um mirante e enquanto olhavam a cidade  miniaturizada, o garoto se encolhia desajeitado, emudecido, assustado, como um  menino pego roubando frutas no quintal do vizinho. Ela percebeu que sua liberdade o ameaçava e pegou-lhe as mãos. Ele abaixou os olhos e disse que tinha medo de não poder dar a ela tudo o que ela merecia. Ela disse que queria apenas sexo e ele respondeu que não tinha certeza se conseguiria. Ela ficou calada e ele disse que não queria vê-la triste. Ela aproximou-se mais e ele deu-lhe 1/4 de beijo, 1/2 abraço e um adeus de corpo inteiro. E outros apareceram... Alguns pediram um tempo, outros nada pediram, mas todos fugiram. Os que insistiram não aceitavam os limites da liberdade da parceira. Houve um  que exigiu que ela abandonasse o marido, mas ele permaneceria com a esposa; outro foi descartado pelo estilo egoísta de fazer sexo; outro  porque exigia que ela elogiasse seu desempenho de macho incompetente; e outro porque só tinha tesão se ela ficasse caladinha. Um colega de trabalho ficou com ela até perder as esperanças de conseguir uma promoção e um outro a confundia com o Banco 24 Horas,  estava sempre precisando de um dinheiro emprest/dado. Foram dez os amantes. Aos quarenta, ela resolveu se dar o máximo de prazer. Pegou o carro, comprou uns livros, foi até uma agência dos correios, em seguida telefonou para um garoto de programa e foi para um motel de luxo. O menino assistiu o filme pornô e esforçou-se para superar o galã do vídeo. Deu um show de sexo, vendendo-lhe todo o prazer de um amante profissional. Depois de pago, foi embora. Ela tomou um banho de espuma, enxugou o corpo prazerosamente,  vestiu um lindo robe de seda estampada, deu um tiro no ouvido e mergulhou no orgasmo da morte em busca do último encontro.

 

 Ao lado do corpo de uma mulher bonita, encontrada morta em um motel de luxo, havia um bilhete dentro de um livro de Sérgio Sant'Anna, na primeira página do conto, "Romeu e Julieta". O bilhete era lacônico e trazia apenas uma pergunta - "Por quê os homens não gostam de mulheres livres?"

 No dia seguinte todos os ex-amantes receberam pelo correio a mesma pergunta dentro de livros de Clarice, Virginia, Lygia...

O marido recebeu o conto "I love my husband" de Nélida Pinõn.