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Narrativas coletadas por Francisco Quaresma de Figueiredo

Nome: Magda Melo
Idade: 37 anos
Tempo de escolaridade: aproximadamente 24 anos
Profissão: professora de inglês  
Narrativa coletada por Francisco Figueiredo
 
A minha experiência como aprendiz da língua inglesa tem um começo dramático, porém, um final feliz. Dizer que há 24 anos aprendo inglês é mentir para mim mesma, mas este seria o tempo oficial desde de meu contato com o idioma até hoje. Na escola odiava esta língua, era um verdadeiro pesadelo, até que cheguei a ponto de ignorar a matéria.
 
Aos dezoito anos mudei para a Espanha, descobri que tinha um bloqueio para aprender qualquer idioma, e depois de procurar a causa desde trauma, cheguei a conclusão de que no meu primeiro contato com o francês eu fui muito exposta pela professora. Ou seja, eu era uma menina muito tímida e minha professora de francês acreditava que eu parecia muito com a menina que ilustrava o livro de francês; assim que todas as vezes que tínhamos que apresentar um diálogo, ela sempre me chamava. Eu comecei a odiar as aulas, depois a professora e por fim o idioma. Aprender um idioma se tornou para mim um instrumento de punição, de vergonha, de exposição.
 
 Minha professora de espanhol, na Espanha, teve muita paciência comigo. Ela me incentivava, não me expunha e conversava comigo em particular, tentando sanar meu trauma. Nunca na minha vida, um professor tentou entender meus traumas e muito menos saná-los. Não é preciso dizer que ela se tornou um exemplo em minha vida.
 
 Foi assim que o inglês chegou na minha vida, no meio deste trauma, com professores que só se preocupavam com o vestibular. O trauma aumentava, odiava as aulas, não via sentindo nelas. Afinal, para quê eu precisava do inglês? Só para o vestibular? Nunca ninguém se preocupou de fazer um trabalho de conscientização comigo sobre a importância de aprender um outro idioma.
 
Cheguei a ponto de não gostar de nada que se referisse à cultura inglesa ou americana. Morando na Europa, não fazia questão de conhecer a Inglaterra e adotava aquele discurso de paises dominadores.
 
 Só passei a ver o inglês com outros olhos quando um amigo começou a me instigar para mudar com ele para a Inglaterra. Ele tinha verdadeira paixão pelo inglês e tudo que se referisse à cultura inglesa. Fui para a Inglaterra e, no começo, adotava o discurso que não gostava do inglês. Hoje eu sei que na realidade não há como você gostar de uma coisa que você não sabe. Demorou um tempo até que eu assumisse que eu precisava do inglês. Comecei a ver que precisa do inglês para me comunicar, e assim eu fui para uma escola de idioma. As aulas não eram como aquelas chatas do segundo grau, havia várias atividades; eu me interagia tanto que nem via o tempo passar. A escola passou a ser um espaço de socialização, e eu me envolvia cada vez mais naquele ambiente. Os professores nos ouviam, usavam de nossos exemplos e faziam com que sentíssemos que éramos capazes de nos expressar usando o inglês.
 
Não sou daquelas pessoas que têm facilidades de aprender língua, por isto sempre que chegava em casa revia a matéria dada. Comprei vários livros de gramática e um dicionário enorme. No começo, achava que todas as vezes que lia um texto eu tinha que entender todas as palavras. Conseqüentemente, demorava horas para fazer a leitura de um pequeno texto. Pior que isto, eram as traduções que tentava fazer, não tinham sentido. Freqüentando as aulas, fui descobrindo que em sala de aula conseguia entender o sentido do texto e que era isto que importava, passei então a verificar somente as palavras cruciais no texto. Encontrei na televisão uma grande aliada, passei a ver os jornais, locava filmes e os assistia pelo menos duas vezes. Aos poucos ia identificando os sons, os sotaques, palavras e frases feitas que eram muito usadas. Vivendo em um país onde se fala o idioma, me facilitou no sentido de que tudo que descobria eu punha na prática, como em idas no supermercado, pedido de informações, situações no trabalho ou mesmo na escola; lembrava das frases que tinha ouvido e as usava. Mas ainda faltava muito.
 
 Eu creio que o pior de aprender um idioma e quando você chega naquele estágio em que você sabe a gramática, tem um certo vocabulário, mas falta a fluência. Este estágio é desestimulador, pois você tem consciência dos seus erros, mas não consegue evitá-los. Ao mesmo tempo, a escola passa a ser um ambiente sem sentido, uma vez que você crê que dali você não tira mais nada, tudo que você tinha que aprender já te ensinaram, porém, na prática, você não consegue se sair bem. Vem aquele desespero e você começa a sentir que você não tem vocação para aprender línguas ou se acha a pessoa mais burra do mundo. Pelo menos foi isto que aconteceu comigo.
 
Para muitos ouvir música é um bom incentivo, mas não para mim. Como eu não fui ensinada a analisar letras de canções, eu era daquelas que cantava, ou melhor, repetia o som sem saber o que estava cantando. Depois que uns amigos me ensinaram a estratégia de ouvir, pegar o significado, ver as expressões usadas pelos cantores, eu passei a ver música com outros olhos.
 
Aos poucos, fui me envolvendo não só com o idioma, mas com a cultura também. O fato de morar em Londres me dificultou um pouco o contato com a cultura inglesa, uma vez que esta cidade é habitada por pessoas de diferentes nacionalidades.
 
Voltei para o Brasil, e tive contato com pessoas que estavam trabalhando com o inglês, uma destas pessoas é o professor Francisco Figueiredo. O incentivo destas pessoas para que eu voltasse para a Inglaterra e me dedicasse para aprimorar o idioma foi um marco fundamental para impulsionar minha carreira como professora.
 
Voltei para Inglaterra, mas dessa vez para Brighton. A decisão não podia ter sido melhor. Comecei a conviver com pessoas inglesas entre outras nacionalidades. Aprender inglês passou a ser uma coisa agradável. Já não era penoso. O fato de poder sair de uma sala de aula e continuar usando o idioma também me facilitou muito. Sem contar que todas aquelas expressões idiomáticas que você aprende e nunca sabe o porque, uma vez que quase nunca você usa; eu as usava. Assim que aprendia uma, saia da sala de aula e tentava pôr o que eu tinha aprendido em prática.
 
 Sempre que possível, conversava com os professores sobre estratégias de aprendizagem. Ensinaram-me a arquivar vocabulário, expressões idiomáticas e “phrasal verbs”, assim às vezes checava meu arquivo. Neste estágio já não usava de traduções, descobri que tinha que associar tudo com a língua inglesa. Aprendi também que perguntar não ofende, e perguntava tudo que não entendia. Perdi a vergonha de errar (no Brasil, nós temos a cultura do não erro, mas errar é humano), e pedia a todos que se dissesse algo errado que me corrigissem. Ler é um exercício muito bom, e eu lia de tudo, descobri em romances uma fonte riquíssima de linguagem coloquial, e os devorava. Passei a ver as minhas aulas com outros olhos, agora eu não era simplesmente a aluna da língua inglesa, mas uma apaixonada pelo idioma e queria ensiná-lo; assim, analisava os professores, como melhor eu aprendia, as dúvidas que surgiam e arquivava as atividades. Toda esta análise que fiz durante as minhas aulas me ajudou tempo mais tarde quando fiz o CELTA, curso de professor de língua inglesa. As dificuldades que os outros alunos, mesmo ingleses, tinham em encontrar atividades, saber se comportar em uma sala de aula, como se direcionar aos alunos, eu não as tinha.
          
 Tornar-me professora de um idioma que eu abominava foi um grande feito em minha vida. Hoje eu tento passar a minha experiência para meus alunos. O mais engraçado é que anos se passaram desde que eu prestei meu primeiro vestibular, e vejo nos meus alunos que a história se repete no sentido de que os professores não fazem um trabalho de conscientização da importância de aprender um idioma, e que isto pode se dar através de um processo prazeroso e não penoso.
          
Hoje creio que o inglês é parte de minha vida. O aprendizado continua e cada descoberta, tanto termos lingüísticos como vocábulos são acolhidos com grande satisfação.